Archivo de la categoría: Segunda Viagem

Beni e Rurre – cidades amazônicas

Veja vídeo da festa de independência:

EM BREVE RELATO DE VIAGEM

O Vaca Diez – um pesadelo motorizado

Dez da noite. Os viajantes partiram da deslumbrante e amazônica Rurrenabaque. A viagem de ônibus até La Paz deveria durar 16 horas, segundo o funcionário da oficina. Escolheram, apesar de o preço ser tabelado, a passagem da empresa Vaca Diez. Na lenta internet da vila, leram a notícia de que um ônibus da empresa Yungueña havia despencado de um desfiladeiro ao fazer uma curva há apenas duas semanas e deixara 27 mortos. Já seria a segunda vez que passariam pela insólita estrada de Yungas que liga o altiplano à maior Floresta tropical do planeta.

Quando o ônibus estava saindo, Teresa deu-se conta de que tinha esquecido sua lanterna na calçada, pediu com relutância que o veículo parasse, mas foi em vão. A perda da lanterna a deixou desolada. Era uma boa lanterna aquela, a primeira de sua vida e acendia quando se girava o bocal.

O ônibus não tinha banheiro. Pela primeira vez na Bolívia, não havia nenhuma família acomodando crianças no corredor. Geralmente os pequenos adormecem sobre panos coloridos.

Antes de sair, o ônibus já estava bem sujo: com camadas de poeira incrustada e cascas de frutas no chão. A madrugada correu bem, o ônibus estava sem frestas por onde poderia passar vento e ninguém se sentiu apertado para ir ao banheiro.

De manhãzinha, todos acordaram com um alvoroço. A porteira que dá acesso à cidade de Caranavi estava fechada. E o fato parecia intransponível.

 

No verão do mesmo ano, estiveram nesta mesma cidade, Caranavi. Foi o ponto final de uma viagem, na qual saíram de La Paz acompanhados por um guia. Foram a pé por um caminho incaico, parte do sagrado Peabiru. Atrilha começava em mais de 4000 metros de altitude até a cidade de Coroico na Região de transição, Yungas, o trajeto durou três dias. Quando terminaram a trilha, estavam decididos a continuar entrando na região tropical. Tinham a ideia de atravessar a Amazônia boliviana e retornar ao Brasil por Rondônia. Com este plano, entraram em uma van até a desconhecida Caranavi, ali cogitaram e recogitaram centenas de vezes se seguiriam viagem ou não. Naquela altura, os outros viajantes que os haviam deixado pelo caminho já estavam de volta ao sul do Brasil.

Num impulso, entraram em um carro que tinha como passageiros uma família: pai, mãe e bebe, para voltar a La Paz. O motorista dirigia insanamente. Cometeu todos os atos de direção perigosa possíveis, de Caranavi até La Paz. O casal ficou cerca de uma hora sem palavras, as mãos apertavam-se, um de cada lado do banco olhando para frente, enquanto a mãe e o bebe brincavam tranquilamente. O motorista ultrapassava na curva, na neblina, acelerava à beira do abismo… Nada aconteceu.

 

A estrada de Yungas ou cerretera de la muerte estava em reforma. Este era o motivo do fechamento da via. Todos os dias eram registrados desmoronamentos, alguns trechos eram muito estreitos para veículos maiores que um carro. A estrada era inteiramente de terra, mas o barro não formava uma superfície lisa e regular. Podia ser definida como uma trilha aberta entre a floresta e os penhascos.  O ônibus da Vaca Diez com dois andares arrastava suas rodas no limite da largura da estrada como um monstro desengonçado.

Neste vídeo, se pode ter uma ideia do que é passar de ônibus por esta estrada:

As mulheres que não correram para as moitas para se agachar, protegidas pelas saias longas, e aliviar a bexiga, negociavam e discutiam com os motoristas. Três jovens metidos e despreocupados comandavam a viagem, o que abria o bagageiro parecia ter quinze anos e os dois motoristas tinham pouco mais de 20 anos. Os jovens preocupados perguntaram aos outros passageiros o que estava acontecendo e receberam a resposta “o ônibus só pode passar às quatro da tarde”. Não havia onde comprar comida ou água antes de Caranavi. Para chegar à cidade precisavam caminhar dez quilômetros carregando as mochilas que quando nas costas pareciam sacos com chumbo. Acabaram por tomar a decisão de ir a pé, mas antes tiveram que pedir para os jovens risonhos abrirem o porta-malas. Eles aconselharam que não fossem embora, mas não deram nenhum motivo para que o casal esperasse tantas horas. Com má vontade o garoto deixou que sacassem as mochilas. A situação não pareceu tirar os funcionários da tranquilidade, foi encarada como perfeitamente ordinária.

Outros passageiros também decidiram seguir em frente. Um senhor veio conversando com o casal. Durante a conversa, o casal percebeu que eram os únicos que não sabiam que a estrada fechava todos os dias e que o vendedor da passagem mentira sobre o horário de chegada. O senhor falou mal dos collas, disse que eles eram malvados, “mala gente”. Não era a primeira vez que escutavam este tipo de preconceito entre os bolivianos da planície, os cambas, e o collas do altiplano.

No caminho, apenas operários trabalhando e máquinas eram vistos. A sede era insuportável. Quando viram uma pequena casa de madeira, subiram o barranco para pedir água. Estranhamente os moradores, sobretudo, uma idosa, foram nada receptivos. Pareciam, desconfiados e incomodados com a presença. A senhora apenas apontou para uma torneira no quintal. Por acaso, os estrangeiros viram uma grande bacia de madeira cheia de folha de coca secando. Mal conseguiram encher as mãos com água e saíram do terreno.

Andaram. Já haviam caminhado uns cinco quilômetros, viram vários trechos das obras e não conseguiam ainda avistar Caranavi, quando, de repente, o Vaca Diez passou por eles a toda velocidade. Os motoristas fizeram troça dos andarilhos e os passageiros também riram da desgraça alheia.  Porum momento, Teresa achou que ônibus ia passar por eles sem parar, só para pregar uma peça. Mas alguns metros à frente, parou e esperou. Os três tiveram que ouvir a lição de moral: “Falei para vocês que era para esperar”. Não dava para entender o porquê de a passagem ser liberada antes das quatro. “Talvez tenham feito uma negociação”, Pensou Teresa.

Mas a espera iria continuar em Caranavi, pois a porteira para tomar a estrada em direção a La Paz só abriria às quatro horas. Chegando lá todos foram almoçar e tomar banho de baixo da ponte da cidade, em uma forte correnteza. O rio era de um verde azulado cintilante, típico das águas de montanhas ricas em minérios. Teresa teve que procurar o garoto das malas em um restaurante típico, com entrada, prato principal e sobremesa por dez bolivianos. De má vontade, ele abriu o porta-malas e lhe jogou a bolsa. Teresa estava no auge de sua raiva contra aquela empresa e seus funcionários. Colocou roupas gastas e foi tomar banho sozinha no rio. Quando a água estava na cintura sentiu-se constrangida pelos olhares de outros homens que também se banhavam: “Oi, tudo bem?”, disse deles. Baixou a cabeça e penteou o cabelo temendo estar sendo vigiada. Saiu rapidamente com tudo molhado atrás de um banheiro público que custa um boliviano por conta do pedaço de papel higiênico que é dado na porta. Pediu uma sacola em uma venda e entrou em um boteco com aquelas máquinas, febre nos anos 1980, que tocam música, em troca de uma ficha, onde encontrou o companheiro bebendo cerveja mais ou menos gelada da marca Yugueña. Ela Disse: “Vai lá na praça ver se ônibus vai sair mesmo”. Faltava quase uma hora para o horário marcado. Ernesto foi até o final da rua espiou e voltou correndo desesperado. O Vaca Diez havia partido com todas as coisas dentro! E não se via mais nenhum passageiro pelas ruas empoeiradas.

Correram até a praça e pegaram um táxi até a porteira, onde o ônibus esperava pela abertura. O táxi custou 20 bolivianos, mas teriam pagado qualquer preço. Entraram no veículo espumando, com cara feia e resmungando. Alguns passageiros riam e os funcionários não deram nenhuma explicação. Sentado, nos seus lugares, estava um rapaz. Os pertences estavam guardados nos vãos para bolsas de mão. Até um papagaio estava de passageiro. Muitas outras pessoas subiram no ônibus em Caranavi, muitas iriam viajar de pé, o que é muito comum na Bolívia. O rapaz levantou-se e cedeu lugar, mas o casal insistiu muito em saber se ele havia pagado para ficar sentado, ou seja, se ele havia sido enganado, mas ele negou várias vezes. Teresa amaldiçoou os outros passageiros, em português, por terem deixado o veículo partir sem eles. Não entendia o motivo da indiferença.

A viagem demorou muitas horas e foi tremendamente emocionante e perigosa. O motorista acelerou como se estivesse em uma estrada comum, não parou como de costume para lanches ou banheiro. As barrigas roncavam dolorosamente. A altitude que se alterava bruscamente também começou a fazer efeito sobre os corpos. Chegaram a El Alto às dez da noite, após quase trinta horas de viagem, precisavam de um táxi para ir até a rua Illampu, rua onde predominam os pequenos negócio de comerciantes judeus e é o endereço do Hostel Glória. Pela primeira vez, comeram em um restaurante para turistas gastando o impropério de 80 bolivianos, 24 reais, em um belo jantar frango com molho e carne ensopada.  Aproveitaram a noite e o princípio de mal da montanha indo a uma Peña de música tradicional, a Ojos d’água, programa imperdível numa sexta-feira. A Peña estava muito vazia, os dois mortos de cansaço e tontos. Mesmo assim, tomaram duas jarras de singani (destilado de uva) com suco de laranja e uma tigela de folha de coca, cortesia do local. Teresa sentiu-se mal com a falta de oxigênio e devolveu toda a boa comida no toalete.

Depois de conhecerem a Amazônia de barco, naquele momento, não sabiam que em menos de cinco dias estariam com os pés no mar do Pacífico, na costa peruana.

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Rio com origem na altitude, colorido pelos minérios
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Rio que corta Coroico, onde os viajantes tomam banho no intervalo de longas viagens de ônibus

 

Puno, Arequipa e Camaná: três Perus

Desfile de aniversário de 400 anos de Arequipa: https://www.youtube.com/watch?v=-qfO2RbOVGI&feature=youtu.be Mulheres cantam para os turistas em uros: https://www.youtube.com/watch?v=gn3aRiFQznU&feature=youtu.be EM BREVE RELATO DE VIAGEM

Carona no Bananeiro: Boca del Chapari até Beni pelo rio Mamoré

À beira de uma encosta do rio Mamoré, que atravessa a Amazônia boliviana, um barco de madeira e teto de palha apinhado de cachos de bananas, ainda completamente verdes, abriga cinco passageiros. No teto, sobre tábuas carcomidas, há uma tenda que protege os corpos das nuvens de mosquitos e uma barraca, lado a lado. Um dos tripulantes, um jovem de menos de 25 anos já está acordado antes da primeira luz do dia. Com um pote de plástico em mãos, ele tenta tirar freneticamente a água barrosa que insiste em transpor as frestas tampadas por punhados de argila. O barulho da água voltando para o rio acorda os caroneiros dentro da barraca azul, cercada por todos os lados por uma multidão de mosquitos famintos. Os dois jovens escutam o velho Demétrio levantando, arrastando o corpo na lateral do tecido de náilon até alcançar as tábuas e descer. O homem troca de lugar com o jovem na sina de manter o barco navegando. É a primeira noite no bananeiro do casal do sul do Brasil. Antes de dormir sentiram receio de que a madeira não aguentasse o peso e, naquela manhã, imaginaram um naufrágio enquanto ouviam o rapaz tão emprenhado em expulsar a água. Há três dias eles saíram de Puerto Villarroel, no departamento de Cochabamba, a bordo de um grande barco com madeira ilegal, chamado Mi Amigo. Dele desembarcaram na pequena Vila ribeirinha perdida na Amazônia, Boca del Chapare. Lá, por cem bolivianos, aproximadamente 35 reais, conseguiram uma carona até um vilarejo perto de Trinidad, capital de Beni. A negociação com o casal de transportadores de bananas, Demétrio e Juanita, deu-se por meio do dono do Mi Amigo, Johnny: “Ustedes pueden llevar mis amigos hasta Trinidad? Cien Bolivianos está bien?”. Demétrio usava uma touca de lã com estampa de oncinha, camisa de botão e calças claras inteiramente sujas de barro. Deveria ter 55 anos, mas aparentava quase 70, apesar da força física. Respondeu ao
pedido de Johnny com palavras desconexas e balbuciadas que pareciam grunhidos para os brasileiros. O navegador aceitou levar o casal, mas reforçou que nunca tiveram passageiros consigo. Naquela manhã, Juanita com um chapéu amarelo na cabeça preparou yuca (mandioca) amassada com queijo coalho assada. Os passageiros comeram com os pés apoiados em uma canoa amarrada na lateral da embarcação. A conversa começou tímida, circulava sobre o horário de chegada. Depois avançou sobre como era a atividade de ir buscar bananas. Juanita disse que naquele barco havia cerca de 15 mil bolivianos em bananas. Antes do meio dia, o rapaz brasileiro começa a se sentir mal, obrigando o barco a encostar-se a um igarapé, ele atravessa a lama e vai ao banheiro. Quando volta, Juanita oferece-lhe pílulas: “Tome, las guardo para cólera”. Com preocupação, o rapaz pergunta: “Hay cólera por acá?”. “Sí, hay.”, responde Juanita.

Chegamos à noite na cidade que era ligada por estrada à capital da Amazõnia boliviana, Trinidad. Não havia mais carros ou táxis. Tínhamos que acampar. Até que vimos um caminhão e pedimos caronas junto co outro boliviano que também estava ilhado. O motorista disse que podíamos subir na caçamba. Acreditamos que ele seguiu por uma estrada mais remota, porque estava transportando madeira ilegal. A estrada era de terra e totalmente esburacada. Com a velocidade do caminhão, o vento roubava todo o calor do corpo, nunca senti tanto frio, quanto naquele momento, paradoxalmente, na maior floresta tropical do mundo. A viagem de três horas foi uma tortura, nos cobrimos com todas as roupas e panos que tínhamos e o balanço desengonçado do veículo machucava os ossos. Quando parou, já estávamos em Beni, era tarde. O motorista quis nos cobrar o mesmo preço que um táxi teria cobrado.  Nunca imaginei que ele fosso cobrar alguma coisa. Recusei-me a pagar aquela contia e dei-lhe um valor menos que continuava sendo injusto, tendo em vista o frio e o desconforto da viagem. O boliviano que estava conosco pagou sem reclamar. Era praxa as caronas serem pagas.

Veja a Galeria de fotos da viagem pelo Rio Mamoré:

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Carona barco madeireiro: Puerto Villarroel até Boca del Chapari pelo Rio Mamoré

A ideia inicial era chegar a uma cidade no departamento de Cochabamba na Bolívia, chamada Puerto Villarroel e de lá embarcar em uma embarcação transportadora de mercadorias e pagar um preço estipulado até a cidade de Trinidad, capital de Beni, integrante da Amazônia boliviana. Não houve praticamente nenhum tipo de planejamento, já que descobrimos a existência do porto através de um blogue na internet feito por uma viajante francesa. A maioria dos viajantes que visitam a região e visam à Amazônia boliviana são europeus, sobretudo, franceses. O objetivo era fazer o caminho entre Puerto Villaroel e Trinidade da maneira descrita. Imaginávamos, com base nos relatos, que o percurso demoraria de quatro dias a uma semana, no máximo. Depois de terminado o trajeto, não tínhamos mais plano de viagem. Não parecia fácil chegar a uma pequena cidade distante e conseguir que alguém nos aceitasse em seu barco. No departamento de Santa Cruz, chegamos pela madrugada e procuramos informações sobre Puerto Villarroel e ninguém sabia onde ficava. Algumas pessoas confundiam o lugar com Puerto Quijarro ou Puerto Soares. Acabamos escolhendo pegar um ônibus para a cidade de Cochabamba, já que ovendedor das passagens disse que o motorista sabia onde era o ponto da estrada de onde era possível pegar um veículo com direção a Puerto Villarroel. Durante o trajeto, ficamos sabendo que o motorista não sabia exatamente onde era. Na pressão, decidimos se iríamos para Cochabamba e de lá procurar mais informações ou se parávamos em Villa Tunari, uma cidade turística com parques florestais reservas ambientais, destino principalmente de europeus. Acabamos ficando em VillaTunari. Não sabemos por que, mas o motorista parou o ônibus a cerca de 2 km da entrada da cidade, então, tivemos que pegar um táxi. Chegamos à arborizada cidade e aparentemente preocupada com a aparência de suas praças, ruas, quintais, restaurantes e pousadas. Lá encontramos os hostels proporcionalmente mais baratos. A dona do hostel, onde nos alojamos, tinha algumas informações sobre como chegar a Villarroel, mas não sabia nos dizer sobre os barcos que de lá saiam. No dia seguinte pela manhã, fomos a um parque florestal. Na chegada depois de atravessar a pé um viaduto, pelo qual passam caminhões a uma velocidade considerável, logo na entrada, avistamos quase uma dezena de macacos. Para entrar no parque deve-se deixar bolsas e acessórios que podem ser roubados pelos macacos, também se deve pagar uma taxa se quiser trazer máquina fotográfica consigo. Este parque também tem um projeto de reabilitação de animais, no qual muitos estrangeiros voluntários participam. Durante o circuito, vimos um estrangeiro passeando com um urso andino na coleira, cena inusitada. Vimos cerca de 5 macacos diferentes e escutamos o canto de várias aves. Havia uma excursão de escolares no parque quando o visitamos. Percebemos pouca movimentação turística em Villatunari. Na volta ao hostel, arrumamos nossa bagagem e anotamos mais instruções sobre como chegar ao porto. A dona do hostel conseguiu as informações sobre os preços dos trajetos com a sua empregada doméstica, uma jovem cholita muito bonita, vestida com uma saia rodada rosa e uma blusa bordada de mangas bufantes. Descobrimos que teríamos que fazem o percurso em três partes.

Primeiro pegamos um táxi na frente da entrada da cidade. É um táxi público que transporta, sobretudo, crianças que estão indo à escola. O táxi segue seu caminho lotado e é provável que nossas mochilas tenham tirado a vaga de umas três crianças. No porta-malas, os pequenos bolivianos viajam com os pés ao relento. No banco de trás, mais cinco passageiros e, na frente, três pessoas espremidas em dois assentos. Parece que não se via grandes problemas em relação a isso, pois não vimos nenhum desentendimento por conta do aperto e até uma senhora de idade entrou no carro lotado sem expressar desaprovação. Consegui prestar atenção no cenário ao redor e nas sequências de casas dispersas à beira da estrada, alternadas por uma mata iluminada. Estávamos perto do aniversário da independência da Bolívia e pude notar que praticamente todas as casas ao longo do trajeto tinham uma bandeira da Bolívia estendida. A maioria das casas era pequena e de madeira com crianças pequenas brincando em frente ao terreno, algumas nuas se refrescando o calor com um banho de mangueira.

Paramos em mais um pequeno terminal, na cidade de Cinaota, onde pegamos mais um táxi coletivo. Segundo pessoas que conhecemos, a cidade foi o centro do tráfico em Cochabamba nos anos 1970 e 1980. Por fim, entramos em mais uma mobilidade, desta vez éramos os únicos passageiros, sem contar com a esposa do taxista que entrou no carro depois. No fim das contas, as mobilidades saíram mais barato do que o previsto pela dona do hostel.

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Cais de Puerto Villarroel
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Banheiro da hospedaria Jazmin

Conseguimos chegar a Puerto Villarroel no meio da tarde, acredito que estava fazendo uns 33 graus. Achamos uma hospedagem que nos pareceu adequada. Encontramos o dono na sua sala consertando vários objetos diferentes com resina: bacios, cadeiras… ali provavelmente funcionava sua oficina. Na casa, moravam apenas ele e a esposa, a hospedaria tinha quatro quartos. Na primeira conversa, perguntamos sobre os barcos, o senhor disse ser bem comum a saída de barcos da região, mas disse que há duas semanas um grupo de seis espanhóis se hospedou e teve que esperar alguns dias pela saída da primeira embarcação. Escolhemos um quarto no andar de cima da casa com teto de palha feita de madeira. O banheiro ficava na parte de fora da casa, não tinha luz, nem água encanada, sendo assim, a metodologia do banho era a cuia e o balde.

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Crianças brincam na lama em Villarroel
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A brincadeira segue alegre

Chegamos à capitania da marinha boliviana, a Bolívia perdeu seu único acesso ao mar em uma guerra com o Chile, para pedir informações, éramos os únicos turistas na ocasião. Falamos com o capitão que disse que nenhum barco grande estava descendo o rio, porque a maré estava baixa. A única opção que nos foi dada era pedir carona para os pescadores que estavam aportados na frente da capitania.

Um pequeno barco de pesca estava estacionado ao lado de outros, o capitão, um jovem de 22 anos chamado José Luís, estava preparando o barco para partir no dia seguinte. Marcamos de nos encontrar às 17 horas no Hostel Jazmin. José Luís não apareceu. Fomos ao mercado comprar “suprimentos” e um homem chamado Jhonny nos perguntou se éramos nós que buscávamos carona para “Boca Del Chapari”. Respondemos que sim, mas não demos grande atenção porque ainda achávamos a outra carona estava de pé.  Encontramos José Luís no porto com seu filho. Marcamos mais um encontro, às 19:30, em La Tartaruga, aparentemente o nome de um bar. La Tartaruga é um complexo de bares ao lado do rio, iluminado com luzes azuis, todos os bares são de palha ao estilo caribenho. Esperamos bastante tempo e tivemos que procura-lo de bar em bar. Também pedíamos conselhos para as pessoas que nos botavam medo sobre a viagem, perguntávamos se conheciam nosso capitão e ninguém sabia precisar. Quando já estávamos indo embora, José Luís estacionou sua mota na nossa frente. Sentamos para tomar uma cerveja Paceña, servida gelada nesta parte do país. Conversamos sobre bebedeiras e sobre a vida no rio. José foi embora junto com outro jovem que era tripulante.

No dia seguinte, a partida foi adiada várias vezes, iríamos sair no início da tarde em princípio. Um dos navios aportados no cais afundou, o nível do rio havia subido. Entramos na capitania para fazer o registro, como passageiros, e o comandante nos aconselhou a não sair em um barco tão pequeno. Um barco maior iria partir no mesmo dia, carregando madeira. O Mi Amigo tinha dois grandes compartimentos flutuantes, onde poderíamos montar nossas barracas. Segundo ele, o barco era de um amigo que iria ficar um mês no rio extraindo madeira. Acabamos cedendo, não tínhamos certeza de que José fosse partir mesmo naquele dia. Negociamos o mesmo preço com Jhonny: 300 bolivianos. “Mi amigo” era um barco bastante confortável, com três tripulantes, entre eles Maria, esposa de um dos tripulantes que cozinhava para todos enquanto cuidava de seu filho Josia.

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Josia, o filho da cozinheira Maria

Os homens montaram seus acampamentos, eram colchões estendidos na parte onde as madeiras seriam armazenadas, para se protegerem da nuvem feroz de mosquitos telas brancas eram estendidas ao redor dos leitos. Era realmente impossível sair desprotegido depois do escurecer, mesmo assim, nenhum deles usava repelente.  Assistíamos ao espetacular pô- do-sol que coloria o rio de ouro e íamos direto dormir, para acordar seis da manhã. Jhonny fazia muitas perguntas sobre a política, economia e violência no Brasil. Quando nos viu tirando fotos do pôr-do-sol, disse: “Acho estranho que os turistas sempre têm essa obsessão com o sol, todos que eu já levei tiravam muitas fotos do sol.” Enquanto Maria e ele embrulhavam folhas de coca para serem consumidas pela tripulação, conversávamos sobre o tráfico de drogas. O capitão era um homem muito reservado e sério, mas geralmente quem pilotava o barco, umas doze horas por dia, era o marido da cozinheira. Numa tarde, nos questionou: vocês são casado? Respondemos que não, surpreendidos. Então, ele perguntou se a minha família sabia do relacionamento. Respondemos afirmativamente e ele respondeu satisfeito: “É assim que deve ser”. Jhonny escutava, entre outros ritmos, muito tecnobrega brasileiro, enquanto o barco navegava. Ele pediu para assistir «Cidade de Deus» conosco, havia comprado o filme pirateado e queria saber se o que acontecia no filme era possível. Maria e Johnny viviam se estranhando não entendemos o motivo.

Antes de sairmos de Puerto Villaroel, três homens entraram no barco. Entre eles um engenheiro florestal que iria parar em certa altura do rio para cortar madeira. O local era completamente isolado, o único sinal de vida humana era uma canoa amarrada no barranco. Chamava-se Álvarez, usava um chapéu de vaqueiro, fazia palavras cruzadas e tinha um ar de sabe tudo. Falava de selvagens que atrapalhavam o desenvolvimento da nação e não via nada de errado no “fato” da extração da madeira não ter controle. O percurso durou três dias e duas noites.

Maria cozinhava um excelente peixe de rio ensopado com banana. Comíamos muito bem e sempre tinha laranjas ao alcance das mãos para todos.

Chegamos a comunidade “Boca Del Chapari” ao meio dia, depois de dois dias e meio de navegação, lá interceptaríamos um barco, provavelmente um bananeiro para nos deixar em Trinidade, ou próximo de lá. Fomos recebidos por um bando de botos que dançavam dentro da água lodosa do rio.

Boca del Chapari era uma vilazinha minúscula, sem comércio, sem  estrada e sem turistas. Conversamos com um velho morador muito simpático que estava bebendo água ardente em frente ao campo de futebol. Johonny negociou uma carona com um bananeiro que saía no mesmo dia de Boca del Chapari. O Mi Amigo iria ficar mais um mês em alto rio para conseguir madeira. Os casal de bananeiros nos levaria até uma cidadezinha na beira do rio, duas horas de Trinidad.

Galeria de fotos: